quinta-feira, 21 de abril de 2011

Jesus Cristo no Getsêmani - Carl Bloch


“É possível suportar tal ingratidão? Sois testemunhas do que sofro”.

2 comentários:

  1. Penso que Jesus também gosta do Pessanha,por isso aqui fica..*


    Branco e Vermelho

    A dor, forte e imprevista,
    Ferindo-me, imprevista,
    De branca e de imprevista
    Foi um deslumbramento,
    Que me endoidou a vista,
    Fez-me perder a vista,
    Fez-me fugir a vista,
    Num doce esvaimento.
    Como um deserto imenso,
    Branco deserto imenso,
    Resplandecente e imenso,
    Fez-se em redor de mim.

    Todo o meu ser, suspenso,
    Não sinto já, não penso,
    Pairo na luz, suspenso...
    Que delícia sem fim!
    Na inundação da luz
    Banhando os céus a flux,
    No êxtase da luz,
    Vejo passar, desfila
    (Seus pobres corpos nus
    Que a distancia reduz,
    Amesquinha e reduz
    No fundo da pupila)
    Na areia imensa e plana
    Ao longe a caravana
    Sem fim, a caravana
    Na linha do horizonte
    Da enorme dor humana,
    Da insigne dor humana...
    A inútil dor humana!
    Marcha, curvada a fronte.
    Até o chão, curvados,
    Exaustos e curvados,
    Vão um a um, curvados,
    Escravos condenados,
    No poente recortados,
    Em negro recortados,
    Magros, mesquinhos, vis.
    A cada golpe tremem
    Os que de medo tremem,
    E as pálpebras me tremem
    Quando o açoite vibra.
    Estala! e apenas gemem,
    Palidamente gemem,

    A cada golpe gemem,
    Que os desequilibra.
    Sob o açoite caem,
    A cada golpe caem,
    Erguem-se logo. Caem,
    Soergue-os o terror...
    Até que enfim desmaiem,
    Por uma vez desmaiem!
    Ei-los que enfim se esvaem,
    Vencida, enfim, a dor...
    E ali fiquem serenos,
    De costas e serenos.
    Beije-os a luz, serenos,
    Nas amplas frontes calmas.
    Ó céus claros e amenos,
    Doces jardins amenos,
    Onde se sofre menos,
    Onde dormem as almas!
    A dor, deserto imenso,
    Branco deserto imenso,
    Resplandecente e imenso,
    Foi um deslumbramento.
    Todo o meu ser suspenso,
    Não sinto já, não penso,
    Pairo na luz, suspenso
    Num doce esvaimento.
    Ó morte, vem depressa,
    Acorda, vem depressa,
    Acode-me depressa,
    Vem-me enxugar o suor,
    Que o estertor começa.
    É cumprir a promessa.
    Já o sonho começa...
    Tudo vermelho em flor...

    Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

    ResponderEliminar

Dentro da nave