sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Istmo de Ehsan



A esperança é circular, viaja pelo globo à volta dos átomos de futuro, daqueles outros que adormecem fatigados e retomam a caminhada pela estrada da luz. Gira à volta dos esquecidos, das celas escuras, das palavras que nascem da boca dos acusados. A esperança é dervish. Dança ininterruptamente na rotação da morte e da vida, do desperdício de quem não crê, de quem desiste, mas ainda não. Reparte as vozes isoladas numa circunferência zodiacal, desenha em cada mapa trígonos e vocações, articula o raciocínio dos justos, liberta o sangue dos mártires.

Não tenho medo da morte. Mesmo agora, que sinto a sua presença estranha e honesta junto de mim, continuo a querer cheirar o seu aroma e redescobri-la. A morte tem sido a companhia mais antiga desta terra. Não quero falar da morte; quero questionar as razões que estão por trás dela. Hoje, quando o castigo é a resposta para aqueles que procuram a verdade e justiça, quem pode temer o seu destino?...

A esperança é heróica. Auxilia-se a si mesma, transporta a fraqueza nos ombros, perdoa a inanidade de qualquer amparo, atinge o sublime quando privada de qualquer auxílio. A esperança é a capella. Penetra nos espaços, propaga harmónicos entrelaçados, reúne milhares de vozes e amplifica a construção urgente da Paz. Decidida. Não se senta com a incerteza, não come com a dúvida, conhece o sobrenatural das noites luminosas, desafia a desolação anónima e ergue os decaídos à sua passagem. Irradia no deserto humano o músculo de ferro. É vela solitária na ascensão. É o istmo de Ehsan, a montanha de Toloui, o planalto de Shivan. A esperança é o som de tombak das mães despojadas, dos pais orfãos, dos filhos do acaso,  acorda peixes e multiplica pássaros. É o grande tear do povo sem rebanhos, a raíz da rubia que tinge as vestes dos sete anjos protectores. Infunde a razão no epicentro do perigo e do sofrimento e com ela se eleva. Persiste como a árvore transplantada, as suas raízes alimentadas por outras raízes vivas, que vão escavando até encontrar alimento. Esperança é a árvore de Behistun, que se ergue com os ramos de novas folhas, virados para o sol, luz translúcida, faísca que não se extingue na miséria detiorada, é a escrita cuneiforme do sonho esmagado de Dario, é o que transcende o limite, o que resiste à maldição. Esperança é o teu nome. O dia que vem, depois do último dia.

Se os governantes e opressores pensam que com a minha morte a questão Curda irá desaparecer, estão enganados. A minha morte e a morte de centenas de outros como eu não curará a dor. Irão acrescentar mais chamas a este fogo. Não se duvide que cada morte é o inicio de uma nova vida.(Ehsan Fattahian)

*
Música – Kayhan Kalhor and The Brooklyn Rider, Ascending Bird (Silent City 2008)

Roya Toloui – activista e chefe do jornal Rasan (Despertar) torturada em 2005, durante 66 dias, na prisão de Sanandaj por ser considerada uma ameaça à segurança nacional.
Shivan Qaderi – activista dos direitos curdos morto a tiro em 2005, pelas forças de segurança iranianas e atado a um jeep que o arrastou pelas ruas de Mahabad, como intimidação a futuros protestos.
Ehsan Fattahian – activista curdo torturado durante 3 meses e executado por enforcamento, no dia 11 de Novembro de 2009, a mando do governo iraniano.Acusado de participar em actividades contra o regime. Tinha 27 anos.
Behistun – monte situado na província de Kermanshah a 500 km oeste de Teerão.

9 comentários:

  1. Mais facilmente se proteje um culpado do que se defende um inocente,a realidade é esta.
    Continuo sem compreender,apesar de perceber,esta internacional passividade permissiva,conivente,com as injustiças.Os Direitos Humanos,só são aplicados quando convêem,às maiorias institucionais.
    Por pensarmos que sozinhos não fazemos a diferença,é que questões como esta permanecem...

    Those of “us” who have been sentenced to death by “them” are only guilty of seeking an opening to a better and fair world. Are “they” also aware of their deeds?
    Ehsan Fattahian *

    (Mohareb??...é triste mesmo...)

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  2. Internacional comodismo de interesses alheios a qualquer direito de existir. Se 2012 servir para a extinção disto, é muito bem vindo...
    Bj*

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  3. Perante situações revoltantes como estas (que vitimaram Roya Toloui, Shivan Qaderi e Ehsan Fattahian, cujas vidas dignificam o valor do activismo constantemente vilipendiado), não podemos deixar de criticar sem rodeios os órgãos de comunicação social (de incomunicação anti-social, para dizer a verdade), que omitem na prática aquilo que importa denunciar de facto, para nos impingirem imundície requentada de manhã à noite, condimentada com doses maciças de obscurantismo e delação à má maneira salazzzarenta (para me cingir ao nosso cantinho).
    Em Portugal (que até não será pior do que os outros países em geral), a mentalidade «cool» (detesto esta palavra!) vigente nas redacções quer lá saber de Direitos Humanos (geralmente convertidos em «Direitos do Homem», porque o sexismo prevalece, mesmo na mente de muitos e muitas «progressistas»): têm mais que fazer ― pimba, pimba, pumba, bola, bola, bala, bala, bolor, verniz, ranço, gritaria, intrigalhada e clima de linchamento permanente, indignação postiça, histeria, hipocrisia, hipocrisia, histeria, egozinhos maiores do que os Himalaias.
    Bom fim-de-semana, Né e XII.
    (Desculpem o desabafo.)
    «A esperança é circular», «heróica», «a cap[p]ella» ou acompanhada da música persa de Kayhan Kalhor, por exemplo.

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  4. Bem vindo à sala da descompressão! Desabafos querem-se atirados, partidos com o resto da "loiça". Não se aguenta tanto entulho...
    Bj*

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  5. «É imperativo pensar num universo novo, num conjunto de problemas que estão para além da prática quotidiana, na forma de encontrar os valores éticos que tornam possível a acção comum. Agarrar firmemente as características do momento que vivemos significa uma intensidade de valores que nada pode substituir.»

    «O trabalho mais inovador que requer hoje o desejo de transformação social é o de estimular contributos coerentes para delinear e experimentar novos modos de existir em sociedade. São precisas arquitecturas consistentes, com possibilidade de equilíbrio dinâmico e de adaptação a geometrias variáveis. Teremos que pensar em outras dimensões? É inevitável. Dimensões em que o Outro está presente.»

    in "Palavras Dadas", Maria de Lourdes Pintasilgo, Livros Horizonte, 2005

    Um abraço. Carlos

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  6. Espero que a sala esteja insonorizada pois hoje apetece-me partir os móveis para além da loiça catrapuumm!!!gente mentirosa!!!Hipócrita!!Crassh tashhh sem escúpulos!!Puummm catrapuummm!!Mesquinha!!Castradora!!Interesseira!!Falsaaaaaaaa!!!! Catracrassshh cabuumm gente ignóbil!!! Grrrrrr estou fartiiiinha Zázzz Capuuummm Crasssh Puuumcatrapuumm!!

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  7. Não te preocupes Holoteta,prometo depois consertar tudinho.
    Beijo *

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  8. Esta sala da nave, das muitas que temos, está preparadíssima para quem quiser "partir a loiça" e outros objectos. Vai firme! :p
    Ps- não te preocupes em consertar tudinho. Os cacos vão para o espaço direitinhos ao buraco negro da reciclagem.

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  9. Vamos supor que eu vou parar ao chão por tua causa;
    E que os meus novos ramos foram cortados pela tua serra:
    Então, o que farás com as minhas "Raízes?"
    Podes governar o céu,
    À espera que as aves passem
    Declarando que o seu voo é proibido,
    Mas o que farás com os pássaros recém-nascidos que aguardam no ninho?
    Podes disparar!
    Podes bater!
    Podes matar!
    Mas o que farás com os botões que inevitavelmente se vão erguer?

    - Ehsan Fattahian

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