terça-feira, 29 de novembro de 2011

Discurso de Noivado Após o Jantar



Este eu, um recipiente, que
desde que ninguém o abra,
parece compacto, liso
como um ovo Kinder,
quase apetitoso. Somente lá,
no interior, está escuro. Quem sabe
o que estará dentro, à tua espera.
Obsessões, sem dúvida,
hábitos enferrujados,
medos incompreensíveis,
truques em segunda mão,
desejos infantis.
Que tu a desejes ter,
a esta prenda embrulhada,
roça o milagre.

*Hans Magnus Enzensberger in Discurso de Noivado Após o Jantar

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O faduncho

 Fado de Christian Meesey

Faltava o último F. Agora está institucionalizado.
" O fadinho choradinho só semeia ilusões", como cantava o José Mário Branco (agora empenhado na sua transformação) adquire mais enfeites auriculares daqueles que fazem ouvidos moucos à diversidade musical, essa sim, fora de tavernas e salões, bem mais representativa deste país pequenino e tão imenso.

domingo, 27 de novembro de 2011





Senhora de muito espanto,

vestindo coisas longínquas

e alguns farrapos de sono,

eu vim para te dizer

que inutilmente contemplo

na planície de teus olhos

o incêndio do meu orgulho.



(...)

* Carlos Pena Filho in O Livro de Carlos



sábado, 26 de novembro de 2011

Surto



Que ideia esta de se fazer à tempestade exterior quando a borrasca interna já se começava a manifestar. Pára uns segundos na borda do passeio e respira fundo. Que aconteceu ao seu abrigo interior? Pensava ter ultrapassado alguns episódios menos bons, aliás bastante maus, com as sessões de regressão, de reiki e EMDR que lhe identificaram os porquês, limparam as marcas mais renitentes e reverteram as suas múltiplas perdas em recursos positivos.

 


Vê-se  num sótão enorme onde algumas vezes se perdeu a arrumar e a deitar fora coisas velhas, coisas ainda novas, sobretudo restos de colecções de desgostos presos por alfinetes em mostruários de veludo e vidro, que lhe escancara a miséria mais escura da sua memória ainda atulhada de tralhas.

Sente o coração fechar-se, a mente de novo presa, o corpo já sem autonomia e uma estranha sensação de fim eminente. Enquanto procura um apoio para a queda não a magoar  e poder sobreviver, vão-lhe passando flashes de tudo o que quis fazer e que o tempo não  bastou. O pânico atinge o auge. Faltava tão pouco para chegar a casa...

 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sazonal

 

Regresso ao meu isolamento numa espécie de conforto limitado pelo que não sou e tentei ser.

 

Passo longe dos locais de rotina. Desvio-me de desconhecidos suspeitos. Não gosto de socializar sobre inconfidências. Não me identifico com risos despudorados sobre o que se desconhece. Não me identifico com a ignorância que sentencia o alheio.

 

Nos livros que leio sou todas as palavras que muitos desprezam; na música que escuto sou todos os mundos que não querem conhecer.

 

Escolho a sombra do desamor por mim própria porque faz parte "disto".

Refaço-me em auto-análises para saber onde falhei, porque falhei, se é que falhei, com toda a certeza que sim...

Adormeço e acordo entre o desgaste e a inércia que os meus pensamentos produzem até chegar à dor física.

 

Talvez seja um exemplo estranho de intranquilidade na paz que tento cultivar. Talvez seja esta a forma de me dar com ela, por oposição.

Este isolamento é uma escolha,  a prova diária  da  conciliação comigo mesma.



 

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Porta vozes




Isto já foi bonito – diz olhando o rio e lembra-se da festa que sentia de cada vez que uma nova ideia a fazia correr para casa, aquele sossego monástico onde registava a sequência harmónica no seu gravador. E já numa concentração metamórfica que ascendia qualquer estado de transcendência inexplicável, procurava incoerências que não podiam constar do vocabulário que dava à fala daquelas mulheres silênciosas um sentimento que a preenchia.

E assim ficava dias e dias à volta das estórias que aquelas almas lhe haviam confiado.

Não sabe ao certo o que fará com tantas vidas provavelmente continuar pelas margens de cada uma e seguir o rasto de mais silêncios urgentes, que precisem de ser cantados, antes de se despedir do rio que já quase nada lhe diz.

Os meninos e meninas da (sub)cultura


Esta é a imagem de certas chefias, cargos e direcções nos  lobbys espalhados pelas diversas áreas da sociedade.
A incompetência instalada  nos agentes culturais dos teatros e centros culturais vangloria-se antes, durante e depois dos concertos.
Porque não é esta gente a ir para o desemprego?
Venha quem saiba fazer, não quem serve a mediocridade. É que ainda por cima são contemplados (e bem) pela negligência que exercem!!!! 


segunda-feira, 21 de novembro de 2011




Súbito, de aço, um dia infinito estilhaçou-se.



 Bernardo Soares in O Livro do Desassossego

domingo, 20 de novembro de 2011

No Teatro Virgínia

Pintura de João Gonçalo Santos feita após o concerto e oferecida via Facebook :)
O João Gonçalo tem 18 anos e estuda Design e Multimédia na faculdade de Ciencias e Tecnologia de Coimbra
http://jgi-design.deviantart.com/art/dedication-269981634

Foto de Maurício Domingues

Foto de Maurício Domingues

Foto de Maurício Domingues

Foto de Maurício Domingues


Foto de Maurício Domingues

sexta-feira, 18 de novembro de 2011


Um dia, o silêncio concluiu ser apenas uma sombra.
Inventou no seu canto incandescente uma forma brilhante sempre que ela se sentisse só  para a surpreender na escuridão com a luz do seu próprio ser.

Véspera


A voz conhece o desejo da alma.
O corpo conversa com ambas
É assim que o destino nos leva, passo a passo
No tempo e no espaço
Espirais onde me perco. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011



Quando tiveres cumprido a tua jornada,
decerto hás-de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e a tua estação há-de ser o céu.

Jalaluddin Rumi

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Biodegradável

                                              
 
As mulheres de meia-idade são a curva descendente do sol, o último comboio sem passageiros, a erva seca  num campo abandonado.

Estas incuráveis-dos-anos ainda aguardam por coordenadas que acreditam poder resgatar-lhes o percurso mais à frente, elas que um dia decidiram achar generoso esperar pela virtude e acreditar no tempo para tudo, não se dando conta da emboscada imoral  que as enganou.


Há mulheres de meia-idade que passam a ferro e tiram o pó das molduras, outras mudam a terra dos vasos e cortam as unhas do gato e esta que testemunha o tempo a tirar identidades que eram suas. E como lhe custa.
As mulheres que entre promessas de futuro não chegaram a ser presente coleccionam para sempre as culpas de todos os equívocos acumulados às costas como uma cordilheira montanhosa.

A estas depressivas-dependentes dos desafectos resta a insónia das madrugadas que a rádio  programa. A mim cabe-me o cansaço dos dias sob o peso do pânico que o medo me traz.

De nós, amostras da cronologia biodegradável, acerca-se a inevitabilidade do tempo que nos destrói.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Quase afirmado



Rodava a torneira calcinada do lavatório na tentativa de acabar com os pingos de água que caíam como lágrimas quando lhe vieram à ideia todas as estórias que quis cantar ao longo dos anos: Kahlo, Eberhardt, Claudel, Woolf…

No caderno de papel reciclado escrevia noite dentro sobre como as iria resgatar para este lado, os tons e acordes que as diferenciavam, a melodia abstracta que cada uma sugeria para renascer, as imagens que iam ficando mais nítidas depois de ter construído sobre todas elas, a sua própria vida.

Mulheres que lhe falavam ao longo das horas, dentro dos seus sonhos, nos gestos de rotina dos dias, que riam e choravam com ela, que a afastavam dos que a queriam de outro modo.
Mulheres a quem prometeu dar voz ao seu silêncio.

Mas quem as quer verdadeiramente ouvir?

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

SÓ QUERO DIZER QUE NÃO SOU UM PÁSSARO NO BOSQUE (1)


E assim, um dia, enquanto se concentrava sobre o seu eu íntimo, escutou um som. Irritado, o dervixe, olhou para os galhos de uma árvore, de onde parecia vir o som, e viu um pássaro. Passou pela sua mente o pensamento de que este pássaro não tinha nenhum direito de interromper os exercícios de um homem tão dedicado. Tão logo concebeu esta ideia, o pássaro caiu morto a seus pés.


Idries Shah in Sabedoria dos Idiotas

domingo, 6 de novembro de 2011



O que me dói não é

O que há no coração

Mas essas coisas lindas

Que nunca existirão...



São as formas sem forma

Que passam sem que a dor

As possa conhecer

Ou as sonhar o amor.



São como se a tristeza

Fosse árvore e, uma a uma,

Caíssem suas folhas

Entre o vestígio e a bruma.



Fernando Pessoa

sábado, 5 de novembro de 2011



... Profetisa deste templo



de horizontes e astros,



no cristal-lua contemplo



os teus pés seguindo rastros.



- Lenilde Freitas in ESBOÇO DE EVA

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Arde Música

 



O que dizer de uma jornalista musical que se refere ao 2º violino como o "outro violino"?


e ainda...  " Peter* que fez uma exibição a solo de bateria"?


* Pita é o nome do músico... exibição a solo????

http://hardmusica.pt/noticia_detalhe.php?cd_noticia=10485

Não houve quem revisse a prosa?

Citando um comentário que foi colocado a propósito deste assunto na minha página do FB :

que nada sabe de música, nem treina muito a escrita noticiosa

duas excelentes conclusões.

Zita estás enorme.