quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Hoje


Eu junto-me aqui comigo. Sou o que vês nem menos nem mais.

Entro e saio, desperto-me junto dos homens que deixam marcas, atiram raízes para o pântano e ateiam fogo às pedras.

O meu corpo não está só entre margens. É tudo o que queiras abraçar. Um mar que já foi rio e um rio que já foi ar.

O ciclo do fogo surge porque é próprio dos abraços incendiar quem espera.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Fim de tarde











PS- O Gabriel não compareceu à sessão. Ficou a dormir em cima da gaiola das rolas, no jardim da vizinha...

Fim de manhã

Jembé: Então???? Vamos lá?
Sírius: Estou concentrado, espera...

Sírius: Querias brincadeira, não era?
Jembé: Oooooooooo sim, mas olha aí a minha orelha. Não exageres!


...E depois veio uma rola poisar na árvore...


Sophia: Wowww eu também sou capaz de ir ali para cima!
Sírius: Ehehehehe tá bem tá bem... ora experimenta...

Sírius: Quem me mandou duvidar? Quem???? Espero que a Sophia se digne a descer e se lembre que um cão não pula para as árvores...


Sírius: A mana ainda lá está na nespereira. Cansei de esperar... é mais divertido fazer covas!!!!!


Doninha do lado de cá da câmara: Sírius!!!! Que tem o meu caninho mai' lindo?
Sírius: Nada, mãe-de-duas-patas, nada que possas entender... coisas de cão.


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Acima de tudo, o amor



Ainda que eu falasse línguas,

as dos homens e dos anjos,

se não tivesse Amor,

seria como sino ruidoso

ou como címbalo estridente


Ainda que tivesse o dom da profecia,

o conhecimento de todos os mistérios

e de toda a ciência;

ainda que tivesse toda a fé,

a ponto de transportar montanhas,

se não tivesse Amor,

nada seria.

Ainda que distribuísse

todos os meus bens aos famintos

ainda que entregasse

o meu corpo às chamas,

se não tivesse Amor,

nada disso me adiantaria.


O Amor é paciente,

o Amor é prestativo;

não é invejoso, não se ostenta,

não se incha de orgulho.


Não se faz de inconveniente,

não procura o seu próprio interesse,

não se irrita, não guarda rancor.


Não se alegra com a injustiça,

mas regozija-se com a verdade.


Tudo desculpa, tudo crê,

Tudo espera, tudo suporta.


O Amor jamais passará.

As profecias desaparecerão;

as línguas cessarão;

a ciência também desaparecerá;


Pois o nosso conhecimento é limitado;

limitada é também a nossa profecia.


Mas quando vier a perfeição

desaparecerá o que é limitado.


Quando eu era criança,

falava como criança,

pensava como criança,

raciocinava como criança.

Depois que me tornei adulto,

deixei o que era próprio de criança.


Agora vemos como num espelho

e de maneira confusa;

mas depois veremos face a face.

Agora o meu conhecimento é limitado,

mas depois conhecerei

como sou conhecido.


Agora, portanto, permanecem estas três coisas:

a fé, a esperança e o amor;

A maior delas, porém, é o Amor.


1 Cor 13, 1-13

domingo, 19 de setembro de 2010

A última celebração




Foto de João Carlos Lopes

Foto de João Carlos Lopes

Foto de João Carlos Lopes

Foto de João Carlos Lopes

Foto de João Carlos Lopes



Visita à Igreja de S. Pedro no dia em que o Pe. Carlos Ramos ministrou, pela última vez, a celebração eucarística nesta cidade. Edifício Interparoquial, Igreja do Salvador, Igreja de Santiago e esta, onde há 3 anos entrei pela primeira vez, foram em tão curto espaço de tempo e através da força inabalável deste homem,objecto de melhoramento e recuperação. A cidade detém um património mais rico e cuidado. Obrigada.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Templo


À noite quando me deito na rede sertaneja sou despertada por um rumor de asas quase voz que sopra ao meu ouvido.  Quero entregar-me à sensação daquela presença, mas desdobro-me em conjecturas, negoceio os medos e as dúvidas, reflicto na parte incomensurável que devo ser algures para, enfim, me aguardar no sono.
 
Ainda a resistir acendo um incenso e medito, tomo um banho e entoo uma oração, abraço uma luz que surge na escuridão do alpendre e olho para o jardim. Vejo a  vida passar por horas e tonalidades diferentes. Esta energia no espaço e fora dele conduz-me a um quase estado de graça que não compreendo porque me é dirigido.

 

Vão surgindo  presenças que se aconchegam,  Frida, Isabelle, Virgínia, Sophia, Camille… paixões em carne viva, amores no tempo errado, somas decrescentes para a solidão, mulheres descosidas, inadaptadas, indecifráveis, atingidas pela mesma sofreguidão escarnecedora do amor, mulheres iguais a Clarice deformada sobre as compras na cozinha, Marguerite deitada sob o ópio espiralado da sala, Agatha aparando crimes na relva do jardim, Isadora nua no palco da dor, Violeta tingida de sangue nas tapeçarias Mapuches, mulheres com quem me casei há muito, ficando-lhes com as estórias, tomando para mim o desgaste, a desilusão, os pedaços, as vidas em cruz e tudo o mais que tentei exorcizar  para que houvesse um final feliz, sem mágoas, em nome de todas. Não consegui. Olho-as com tristeza a olharem para mim de igual modo. Que fazemos? Porque continuamos?


Este bater de asas parece redimir a falta de amor-próprio que nos atingiu, fosse o talento grande ou pouco para aceitar o que não se compreende. Raciocinar com o coração, obrigar a mente a entrar no sistema circulatório e percorrer cada artéria para sentir. É nisto que penso enquanto a pré-sonolência me prepara para o templo. Espalho a fragrância do Lotus Branco na rede que me aguarda como um útero. Escolho-me para dizer o erro de todos os desencontros e esbarro na mudança de escala de cada voo que não passou da imaginação. Serei só e só antes de chegar.

A presença quase voz acompanha-me como fez com outras mulheres solitárias que se viram no fim. Haverá um abraço? Uma luz? Uma cara conhecida? E as mulheres? Onde estarão as mulheres? Luto acordada, volto à sonolência, fico livre no sonho. É por aqui o caminho das asas, sinto o ar que deslocam à sua passagem, inspiro a sua essência dourada, fecho os olhos.

 

Estou do lado de fora, entrelaçada no jardim. Pode ser isto, pode ser mais e outra coisa. A presença esclarece a parte irredutível de mim e apazigua as inconstâncias do meu himalaia pessoal, transmuta o fosso de himeneu onde todas as mulheres caíram. Agora estão salvas de qualquer provação e as suas enormes lágrimas guardadas no rio pelos devas que contemplam a longa viagem.

A presença das asas quase voz e de todas as mulheres que fui deita-se na rede sertaneja comigo e vigia o templo que nos aguarda do outro lado.




ao som de This Woman's Work, Kate Bush (The Sensual World - 1989)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A trepadora

Em todo o meu esplendor!


... à procura de novas emoções...

Hummmmm NÊSPERAS!!!!

E mais qualquer coisa ALI!

Vamos lá a ver se eu consigo descer...

Ups, quase a aterrar...

Mais um obstáculo e...

... uma rosa?????
Sim sim... L'Important, C'Est La Rose :)
Por causa destas coisas sinto que onde estou bem é aqui junto dos meus, no meu mundo.

domingo, 12 de setembro de 2010

Macramé



Teço fios com os dedos, os meus, porque os teus não são daqui. Teço fios do teu cabelo, da tua voz, dou nós entre um sorriso e um olhar, cruzo-os com as emoções da minha fuga porque nada disto é real ou humano. Sou fio que foi célula, que foi nada antes de decidir ser o nó, que prende esta história na geometria desalinhada. Prendo-me nos lados e no fundo de ti. Antecipo a obra de arte, projecto-te nos meus espaços, só meus, porque os teus são o mundo todo.

Na sala, no quarto, na parede, no sótão, alongo-te a forma, és meu objecto, minha criação. Teço, torço, fio a fio, nó entre nó. As mulheres que nasceram de Penélope sabem a difícil arte de desfazer sem desfiar. O fio frágil nas mãos de quem o trabalha, entre nós, cria possibilidades infinitas na força da seda, nos sorrisos infantis, entre pontos de antecipação. Dores de Penélope no roteiro de Ulisses, filhos nascidos fora de tempo, do lado de lá do véu, também tecido de madrugadas grávidas. Na orla do meu descanso teço com os meus dedos palavras poderosas, rosários compassivos, todos os dias, para que nós e dedos se transformem em destreza transcendendo impossíveis.

E teço à luz da lua, pela torreira do sol, afogada em lágrimas que Penélope me oferece, ainda com esperança de não desfiar a minha criação. Na ilha para onde fui levada, há centenas de salas de mármore com janelas rasgadas para o mar, por onde entra uma luz intensa que cega a impaciência. Teço-te para que resguardes os gestos impensados do teu reflexo sobre as paredes nuas, porque podem ser, e quase de certeza são, um tremendo engano. O padrão flui quando te pego, fio simples e suave, liso e solto de qualquer nó, mas sabes, é preciso que te prenda entre os dedos porque se o não fizer as janelas desprotegidas vão deixar entrar demasiado mar e tu, que nunca mais chegas, vais-me doer para sempre.

Penélope sorri-me em cada fio. Aponta na direcção de Ítaca, onde desenterro conchas e búzios que guardo nos bolsos, pequenos tesouros, para juntar aos nós do macramé. E com os meus dedos, entre nós e nácar, fio a tua voz irreal nos meus olhos e misturo sorrisos desacertados do tempo, a nossa criação contra as paredes de mármore, a minha história com a de Penélope, o teu espaço infinito dentro de uma concha, as janelas no lugar da lua, o mar dentro do sol, a fogueira de lágrimas onde sou queimada, os rosários com a tua forma, Ítaca dando à luz mais filhos. Dedos que se ferem no trabalho árduo de cruzar nós de dia e descruzar fios à noite. Dedos que se deixam pegar por fios invisíveis do teu cabelo que adornam o meu pescoço.

Estou atenta ao intervalo geométrico da malha que pesa nos braços uma longa cortina que fio a fio vai tapando a frieza das salas e estreitando a vista para o mar claro. Sei o que me pedes, uma espera indeferida no tempo, uma outra guerra de Tróia, a renúncia heróica de fios sob nós, a paz nacarada da minha forma usual, a bonança dentro da tempestade que se aproxima.

Desço pela noite dos fios desfeitos até à praia onde entrego as conchas e búzios que não me pertencem. Resolvo que bastam só os nós da malha, o resto fica onde é mais preciso. A espuma do mar enfeita os dedos exaustos da artesã, veste-lhe alianças e jura  eternidade.

Ela pensa entregar-se às ondas porque não quer passar mais dias a fio entre nós repetidos. Tem que haver um remate para a malha crua que se tornou áspera de tantas expectativas. Olha para o que ele deixou dentro de si e decide que de agora em diante os fios ficarão soltos como os sorrisos que trocaram.


Ao som de Midnight Walker, Davy Spillane (The Sea Of Dreams, 1998)