Mais uma semana de
internamento.
Ainda sobre as recaídas
depressivas - trabalho que continuou a ser desenvolvido nas aulas de
psicoeducação - tentámos identificar, com maior especificidade, os
factores desencadeantes que o stress nos provoca.
O que é esta
ansiedade? Em que estado de tensão e sob que pressão fazemos
esforço para viver?
De novo uma variedade
de sintomas que nos passam invisíveis, de novo a necessidade de os
reduzir até encontrarmos aqueles que sinalizam esta guerra interna.
- dores de cabeça
- transpiração
- aceleração do ritmo
cardíaco ✓
- dores de costas ✓
- alterações de
apetite ✓
- dificuldade em
adormecer ✓
- maior necessidade de
dormir ✓
- tremor nas mãos ou
no corpo, “tremores internos”
- problemas de digestão
- dores de estômago
- boca seca
- dificuldade de
concentração ✓
- exaltação com
factos ou situações pouco importantes
- irritabilidade
- inquietação
- choro frequente ✓
- aparência descuidada
- tendência para
acidentes (normalmente tenho-os na cozinha e nunca percebi porquê.
Coisas que me caem, queimaduras e cortes). Esta alínea resulta da falta
de concentração perante um trabalho automático, como o
de cozinhar, em que o pensamento está focado não no que fazemos,
mas naquilo que nos incomoda
- uso de álcool ou
drogas
Os factores
desencadeantes dividem-se em
1 – acontecimentos de
vida marcantes
2 – transtornos
diários mais pequenos
O primeiro grupo é composto por motivos de mudança e tudo o que lhe está implicado:
- mudança de casa
- mudança de emprego/
desemprego
- casamento/ divórcio
- nascimento de um
filho/morte de um filho
- doença grave
- receber herança/
ganhar muito dinheiro
- problemas financeiros
- problemas de saúde
ou morte de um familiar
- ser vítima de um
crime
- problemas com a
justiça
- ter um
relacionamento/ romper um relacionamento
- deixar de fumar
- iniciar uma dieta
- novas
responsabilidades
- ficar hospitalizado
- não ter casa
- problemas com o
consumo de álcool e drogas
No segundo grupo as
questões do quotidiano são igualmente várias :
- falta de dinheiro
para as despesas básicas
- frequentar ambientes
agitados e confusos
- transportes públicos
- discussões em casa
ou no trabalho
- lidar com pessoas
desagradáveis
- não ter privacidade
em casa
- não ter intimidade
com as pessoas mais chegadas
- tarefas domésticas
desagradáveis
- viver numa zona de
risco ou de que não se gosta
Deu para perceber que a
lista pode nunca mais ter fim porque cada pessoa encontra
motivos perturbadores consoante a sua realidade de vida.
Poucas são as coisas que nos podem dar alguma paz, o que me leva a pensar que, aquilo que o homem constrói para seu conforto não passa de uma mentira.
Há sempre uma razão que nos provoca infelicidade e os desgostos acumulados dessa infelicidade torna-nos doentes.
Poucas são as coisas que nos podem dar alguma paz, o que me leva a pensar que, aquilo que o homem constrói para seu conforto não passa de uma mentira.
Há sempre uma razão que nos provoca infelicidade e os desgostos acumulados dessa infelicidade torna-nos doentes.
Depois de algumas horas de trabalho elaborei o meu "plano"
Plano
de Prevenção de Recaídas
|
Aviso
de acontecimentos ou situações que desencadearam no passado uma
recaída:
1.
Problemas familiares
2.
Fim de relacionamentos e mudanças de casa
3. redução de trabalho (a área cultural é a primeira a cair)
4.
Conflitos interpessoais
|
Aviso
dos sinais precoces de alerta vividos anteriormente:
1.
Dificuldade em dormir/insónia
2.
“Assalto” de memórias angustiantes
3.
Cansaço/falta de energia/desinteresse
4.
Desilusão com os outros
|
O
que me pode ajudar em caso de estar a ter um sinal precoce de
recaída:
1.
Consultar psiquiatra/psicólogo
2.
Encontrar uma pessoa honesta com quem pudesse falar (mas creio que
isso já passou para o lado da utopia porque não existem pessoas
honestas e muito menos amigas)
3.
Recorrer a um hobbie para canalizar o meu desencantamento com a
vida (colocar a minha criatividade, também, como expressão dos
sintomas a limpar)
|
Quem
eu desejo que me ajude, e o que quero que me façam:
1.
Desejar, desejava que quem criou tudo isto falasse comigo.
Na
impossibilidade de receber respostas da fonte principal, conhecer
um sábio que me dissesse o que não sei e respondesse ao que eu
pergunto há tanto tempo... na impossibilidade de ser um sábio
acessível ou de terem deixado de existir sábios, seguir para o
ponto 2.
2.
Uma terapia que me seja adequada e na qual possa confiar para me
ajudar a encontrar as supostas ferramentas com que nasci para
minha defesa pessoal e crescimento. Não me limitar à medicação
porque esta tem somente atenuado alguns aspectos da crise. Os motivos que a
causam permanecem enraizados há demasiado tempo.
Também
desejaria dominar uma forma de estar que pacificasse os meus
medos/demónios numa expressão artística que não a música
porque não quero mais servir-me dela.
3 e 4 }Estes números são dispensados porque não vejo mais pessoas.
|
Quem
eu quero contactar em caso de emergência:
Bom,
se depois das démarches que efectuei, identificando sintomas,
reconhecendo o problema desencadeante, procurar ajuda e mesmo
assim entrar em crise, só mesmo chegar às urgências e ser
internada.
Não há ninguém para contactar.
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Emoções Positivas ou viajar na maionese?
Quando entrei na sala olhei para a frase escrita no quadro:
Saborear as coisas agradáveis da vida.
A psiquiatra que a tinha escrito aguardava que nos sentássemos para começar.
Isto é um pouco
estranho, pensei. Quando o nosso pensamento ainda está no
polo oposto que coisas agradáveis podemos recordar?
E a sessão começou:
O mecanismo tem de ser activado para prolongarmos momentos agradáveis. No passado não existiram só coisas negativas - olhava para nós à espera de aprovação - Vivemos momentos felizes - acrescentou - Não temos controlo sobre o que se passa à nossa volta e não podemos sofrer por algo que não podemos evitar. Ao tentar controlar situações negativas que não dependem de nós devemos perguntar-nos se vale a pena ficarmos por aí ou deixá-las e seguirmos em frente.
Ok – disse para os meus botões - estou a ter uma aula de auto-ajuda à Louise Hay... - e procurei uma posição mais confortável na cadeira.
A Drª L. é uma mulher
bem resolvida e enérgica. De facto, transpira positividade por todos
os poros e o sotaque venezuelano que não perdeu, embora resida há
muitos anos em Portugal, dá-lhe uma expressividade cativante e alegre. Pelo
menos as minhas colegas do internamento ouviam-na concentradíssimas,
absorvendo cada palavra como alforges de água para matar a sede de
toda uma vida.
Isto é o efeito que os livros da Louise Hay suscitam – pensei enquanto as observava.
Sim, já houve uma época em que li a "pioneira de auto-ajuda" a conselho de uma pessoa conhecida, que me jurou a pés juntos sobre a mudança de vida que aconteceria se me entregasse ao ensinamentos da... qual é mesmo a designação da senhora? Autora motivacional...
Pode Curar a sua
Vida e o Poder está Dentro
de Si foram lidos, mas não causaram nenhuma mudança em
mim. Não sou do tipo de pessoa que se deixa levar embevecida por uma
quantidade de clichés e frases feitas e cuja profundidade não vai
mais que um degrau raso da entrada de uma porta ao nível da rua.
Retomei a palestra da
nossa médica que estava a dar o exemplo de África.
Fora em tempos voluntária num país em guerra e trabalhou com crianças que nada tinham. Perderam os pais, perderam as aldeias, perderam uma vida e ali estavam , não com o básico, mas com o mínimo dos mínimos e, ainda assim, sorriam e eram felizes. Viviam o presente e agradeciam por estarem vivas.
Fora em tempos voluntária num país em guerra e trabalhou com crianças que nada tinham. Perderam os pais, perderam as aldeias, perderam uma vida e ali estavam , não com o básico, mas com o mínimo dos mínimos e, ainda assim, sorriam e eram felizes. Viviam o presente e agradeciam por estarem vivas.
Mas doutora -
interrompi - sabemos que o pensamento gera perguntas e
respostas, questiona e põe em causa. Qualquer criança vivendo uma
situação semelhante ainda não chegou a esse processo de pensamento
por ser criança e pelo instinto único de sobrevivência. Os
operários que estão concentrados a colocar um parafuso dentro de
uma porca não pensam noutra coisa enquanto estão concentrados
na porca e no parafuso. Ora, as pessoas que aqui se encontram, e
ficaram como se vê, romperam com a mecanização das suas
vidas. Ao pensar no que tinham e no que lhes faltava colocaram tudo
em causa. A consciência tomou conta delas e, seja sobre o passado ou
sobre o futuro, o beco foi construído por uma forte emoção. Ninguém vive confortável no
beco. Por isso vieram parar aqui. A inocência de aceitar o que se
tem, o pouco que se tem, não é duradoura. Essas crianças africanas
quando crescerem vão pensar no que passaram e muitas caixas
de Pandora vão ser abertas... como se constrói um pensamento
positivo sobre algo que nos afectou negativamente? A vida, a nossa
vida, planos, sonhos, expectativas...
Há uma característica
estudada na física – interveio a médica – chamada resiliência
que é a capacidade de acumular energia sob stress sem haver ruptura,
que também pode ser aplicada às pessoas. Perante um choque, um
desgosto, um problema grave, supera-se a dor aprendendo com ela e
revertendo-a positivamente a nosso favor. Isto é, existe uma
capacidade de nos levantarmos depois de cairmos e é isso que temos
de aprender.
Depois contou que teve
uma paciente no internamento a quem lhe tinha morrido o único filho.
A dor que sentia era insuportável, mas ao fim de algum tempo de
tratamento decidiu tirar um curso superior e escolheu Direito. E
porquê? O facto da morte do seu filho ter sido causada por outra
pessoa, num acidente de viação, deu-lhe inspiração para defender
os que passam pelo mesmo, a fim de obterem justiça, sentirem apoio e
consolo, e prosseguirem com as suas vidas. Foi o que esta pessoa
descobriu que tinha de fazer, depois do desgosto terrível por que
passou, para prosseguir com a sua.
O que precisamos fazer
é começar a dar valor às pequenas coisas - afirmou - Vocês
acham que ter um carro, um telemóvel e muito dinheiro é a única
fonte de felicidade? Porque é que aquelas pessoas famosas,
habituadas a ter tudo, reagem de forma tão destrutiva? Citou alguns
nomes conhecidos ligados à música e ao cinema. Todas concordaram.
Não é melhor sentir o
que a natureza pode fazer por nós? - continuou - O prazer de
um aroma, uma paisagem, um canto de um pássaro? Porque não procurar
aí uma ligação forte que fique na memória e ao recordá-la
sentirmos prazer com isso? E porque não partilhar com alguém sobre
essa actividade positiva que fizemos? Comunicar também é uma forma
de ser feliz...
Mas doutora – voltei
eu – isso seria perfeito, claro... mas se todos os dias
somos bombardeados para consumirmos o carro, o telemóvel... tudo
está feito para a lavagem cerebral nos levar a desejar o que não
nos faz feliz. E sobre a natureza? Não há a mínima preocupação,
as pessoas nem se apercebem que existe nem a respeitam. Os mesmos
que lançam a mensagem de consumo do carro, do telemóvel são os que
poluem, estragam, destroem essa possibilidade de recordação
feliz... nós não somos nada ao pé desse poder... (não devia
falar, mas é mais forte que eu - pensei. É importante passar
uma mensagem positiva, mas isto está idílico demais...)
Devemos
autocongratular-nos com o que sentimos, aumentar a nossa percepção, o
olfacto, o tacto, deixarmo-nos absorver pela situação e desfrutar
ao máximo o momento. Podemos encontrar um novo amor, um novo
trabalho! Temos de criar essa possibilidade em nós mesmos. Se
permanecermos fechados às coisas, então sim, não vamos conseguir
sair da negatividade – insistiu a médica.
Um emprego? -
interrompi já arrependida de o ter feito– um emprego para nós
que nada representamos para o mercado de trabalho? E o facto de
termos estado internadas? A sociedade estigmatiza-nos, não nos quer
dar responsabilidades, não acredita no que valemos porque um dia
ficámos “mal da cabeça”. Desculpem estar-vos a dizer isto – e
olhei para todas – mas é a realidade que nos espera lá fora. Eu
não quero construir sonhos que vão ser novamente pisados.
Mas sonhar é
importante! - exclamou a médica – e sim, é verdade que a
sociedade é preconceituosa com este tipo de doença, mas vocês têm
que ajudar a combater isso!
Olhou para mim e disse
por cima dos óculos: eu não conheço o seu caso, mas posso falar
com a sua médica e ajudá-la. Vamos ajudá-la.
Obrigada, estou aqui
para isso mesmo, para ser ajudada, mas também quando me fala em
encontrar o amor parece que estou a ser levada para uma dimensão
irreal porque isso não existe e não acredito que seja assim.
Conhecem
o Woody Allen? - perguntou-nos sorrindo - Ele tem muitos talentos e
um deles é o de saber como as pessoas são. Vou-vos ler uma frase, e
com isto queria acabar a sessão de hoje: O talento
para ser feliz é apreciar e gostar do que se tem, em
vez de se apreciar e gostar do que não se tem –
recitou - A
tarefa que vos proponho é a de fazerem
um
plano de actividades agradáveis para serem executadas.
Não sei o que possa
planear para mais tarde saborear recordações felizes – disse para
mim enquanto saía da sala.
Não tenho nada contra
a médica que iniciou esta terapia de grupo sobre pensamento
positivo, mas não quero que encha chouriços com coisas tão
inalcançáveis como o que tinha acabado de ouvir. Ser-se positivo é
importante, mas não acredito que se chegue lá desta maneira.
Se as afirmações terapêuticas de Louise Hay curassem os seus
leitores, metade da humanidade estava salva e não seria preciso
escrever cerca de 30 livros à volta do mesmo assunto - ( Pode
Curar a sua Vida vendeu 40 milhões) e é só fazer as contas.
No dia a seguir,
enquanto dávamos uma caminhada com os enfermeiros estagiários,
falámos um pouco sobre a sessão da Drª. L. Perguntaram-me o que
tinha achado. Bom... gostei da senhora, percebi que foi voluntária
em África, isso tem muito valor para mim, mas não me rendo ao que
foi dito. As coisas não são assim. Mesmo sabendo que a
natureza nos pode dar o que tem de melhor, e com isso melhorarmos
também, acho que o outro tipo de natureza, a humana, estraga tudo. E
a minha preocupação é a de como me vou defender disso. Como posso
evitar mais dor vinda desse lado...
Perguntaram-me se
acreditava no amor. De quem? - perguntei – no amor dos animais
acredito e naquele que a natureza nos oferece em todas as maravilhas
que só dela são. Do resto nem pensar. O amor não é fodido como
diz o livro. O amor é uma invenção impraticável que faz da nossa
vida uma merda.
Passámos por uma rua que nos chamou a atenção. Na esquina havia uma garagem cheia de coisas penduradas. Cestos de vime, patos de borracha, bicicletas, leques, decorativos, carrinhos de bebé, triciclos... decidimos espreitar. Era um ferro-velho/alfarrabista.
Logo à entrada havia
uma pequeno armário a abarrotar de livros. Os meus olhos aumentaram.
Agachei-me e a minha mão puxou por um ao calha. Quando virei a capa
para ler o título achei estranho : Só o Amor é Real – a história
do reencontro de Almas Gémeas, por Brian L. Weiss. Virei-me para o
grupo e disse-lhes: este autor é um psiquiatra muito conceituado,
especialista em depressões, fobias, ansiedade, um sábio para muitos
esotéricos. Olharam para mim seriamente. É verdade! Não é nenhuma
Alexandra Solnado. É director do departamento de psiquiatria de um
hospital em Miami. Escreve sobre o que foi desenvolvendo com os seus
pacientes, regressão e terapia sobre vidas passadas. E neste livro
diz que só o amor é real. Interpreto isto como um desafio e vou
levá-lo. Elas riram-se.
Entrámos na lojinha
cheia de tudo o que se possa imaginar. Máquinas de escrever,
carteiras e malas de senhora, porta-chaves mirabolantes, frascos de
perfume do século passado, canetas de tinta permanente, revistas de
banda desenhada, cavalos de corda, chávenas de café, tachos de
esmalte, candeeiros de porcelana, bijouteria vintage...um mundo de pó
e de muitas estórias.
São 3 € - disse o
dono do lugar quando lhe estendi o livro.
Reparei que estava
assinado por uma Luzia Antunes com a data de 2000. Será que
reencontrou a sua metade? Será que não? Terá morrido? O que leva
alguém a desfazer-se de um livro? Como chegou a esta loja de
velharias?
Porque me veio parar às mãos?
Gostei muito desta sua publicação! Li-a atentamente! Concordei e discordei, como é obvio!
ResponderEliminarNa sua afirmação, "Eu não quero construir sonhos que vão ser novamente pisados.", perdoe-me, talvez a ligeireza da minha apreciação, mas não me coloco do lado dessa sua barreira!
Acho que a única forma de nos superarmos em tudo na vida, é SONHAR! Nenhum sonho é pisado por ninguém! Eles são sempre inatingíveis! Porque, precisamente, são sonhos! Por todas as razões, alimentam-nos a alma! E porque, como tão bem sobre poetisou, Gedeão, eles COMANDAM A VIDA! Em todos os estados sde alma, penso eu!!!
Nunca acreditei em livros de "auto-ajuda". Parecem-me sempre escritos por alguém que se "ajuda" a ganhar muito dinheiro à custa do sofrimento de outros.
ResponderEliminarMas isso sou eu..."whatever gets you through the night/life...it's alright" (J Lennon).
"...porque não existem pessoas honestas e muito menos amigas."
"O amor é uma invenção impraticável que faz da nossa vida uma merda."
Infelizmente, tendo a concordar. Todos me acham muito negativo...mas ainda não consegui recuperar a inocência de gostar de pessoas. Também não fecho portas.
Força, Né.