E depois houve qualquer coisa que me avisou de uma inspiração.
Desde há um tempo que me encontrava focada em Greta Garbo. Lia tudo o que fui encontrando sobre a sua vida, (The Divine Garbo-Frederick Sands; The Great Garbo - Robert Payne; Greta Garbo: Portraits 1920-1951 - Klaus Sembach) revia os filmes que passavam na RTP (Anna Karenina, Rainha Cristina, Ninotchka, Mata Hari, A Dama das Camélias), coleccionava fotografias que colocava numa parede enorme até deixar de se ver que era parede e fui aguardando por um sinal.
A 1ª "aparição" já tinha acontecido quando estava na Suécia em 1980. Voltou 2 anos mais tarde, na altura de Hotel Ámen. Na fase "Sonho Azul" tornou-se mais assídua e, definitivamente, veio instalar-se na tal casa do Quebra Costas, em Coimbra.
Esta forma voluntariosa de coabitação não me incomodava nada. Era, aliás, uma óptima companhia. Já cirandava pelo apartamento antes do meu despertar, abria a torneira do chuveiro ao mesmo tempo que eu, tomava as refeições com igual apetite e saíamos juntas cheias de ideias para organizar. Ao longo do dia tricotávamos, escrevíamos (in)confidências, ouvíamos os nossos Lp's, tínhamos grandes conversas.
Os apontamentos das leituras amontoavam-se em cima da mesa numa certa ordem. Permitiam-me reavivar as particularidades de uma rota terrena e ajudavam-me no guião que eu queria o mais fiel à sua imagem.
Memorizei alguns dos seus diálogos cinematográficos, que por vezes repetia quando estava a cozinhar ou a limpar a casa. O meu dia a dia desenrolava-se desta forma natural como uma gravidez sem percalços e abençoada por um conforto estável.
Foi por esta altura que conheci Alma Om. Chegou repentinamente, apresentada por alguém que conhecia as duas. Comecei por lhe dizer que era um trabalho conceptual sobre Greta Garbo e fui desenvolvendo o tema sobre como o sentia e como queria que fosse feito. Fez-se um esboço do plano: As letras primeiro as músicas depois. Mas também podia acontecer ao contrário. Concordámos.
O todo foi surgindo. Garbo era já uma forma com conteúdo e passou a ser.
Gravei as canções numa cassete que ia ouvindo enquanto mais ideias surgiam. Fui idealizando o aspecto da capa e escrevi o storyboard para o teledisco (que nunca viria a ser feito) e decidi mostrar tudo ao Nuno Rodrigues, que durante este intervalo me dizia para eu nunca deixar de compor. Ele achava piada às minhas ideias sobre corsárias vindas dos confins, teimosas na resolução do contínuo labirinto.
Eu sabia que a única forma de salvar a jangada do mar alto dos desencontros e desilusões era deixar que a musica acontecesse. Na intimidade do meu espaço. E ser eu. E ser eu passava por seguir a rota de uma lenda viva e tentar perceber o porquê da escolha daquelas coordenadas.
Pensámos em conjunto sobre quem seria o arranjador das canções e após algumas conversas chegámos à pessoa ideal. Tinha sido editado, nesse ano, um disco excepcional de Luis Cília, A Regra do Fogo. A sua sonoridade tinha muito a ver com o que eu procurava para Corsária e trabalhar com um Músico como o Luís era uma honra.
Estava felicíssima.
Contudo, uma condição foi colocada ao Nuno. Teria de haver uma cláusula no contrato, que ressalvasse a sua não edição caso acontecesse alguma coisa com Greta Garbo.
A"coincidência" de fazer um disco póstumo estava fora de questão. Nem foi preciso inventar uma cláusula. O Nuno entendeu a minha vontade e concordou totalmente com ela. Também, por algum motivo tinha saído de uma editora grande para ter a sua (Transmédia) e humanizar estes aspectos normalmente vistos como "exigências bizarras dos artistas"...