quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Ary

Se o poeta fosse vivo teria feito 73 anos. Dia 7 de Dezembro, Rua da Saudade...

Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!


(É assim que o recordo!)

2 comentários:

  1. «Cantiga de Amigo

    Nem um poema nem um verso nem um canto
    tudo raso de ausência tudo liso de espanto
    e nem Camões Virgílio Shelley Dante
    — o meu amigo está longe
    e a distância é bastante.

    Nem um som nem um grito nem um ai
    tudo calado todos sem mãe nem pai
    Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!

    — o meu amigo está longe
    e a distância é bastante.

    Nada a não ser este silêncio tenso
    que faz do amor sozinho o amor imenso.
    Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
    o meu amigo está longe
    e a saudade é bastante!»

    Ary dos Santos, in RESUMO (1972)

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  2. Epígrafe

    De palavras não sei. Apenas tento
    desvendar o seu lento movimento
    quando passam ao longo do que invento
    como pre-feitos blocos de cimento.

    De palavras não sei. Apenas quero
    retomar-lhes o peso a consistência
    e com elas erguer a fogo e ferro
    um palácio de força e resistência.

    De palavras não sei. Por isso canto
    em cada uma apenas outro tanto
    do que sinto por dentro quando as digo.

    Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
    De mim próprio matéria bruta e brava
    expressão da multidão que está comigo.

    Ary...

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