T,
Melhor que ninguém sabias de que eu era feita e de toda a dor que carregava.
Tu é que me disseste que eu era a cantora mais magoada que conhecias sobre um caminho de pedras.
Vivia e tentava ainda ser sobre uma linha imaginária mais frágil que um cristal.
A dor é tudo e está em tudo. A dor de ter nascido e a dor de ter que morrer.
A dor de não ter havido ninguém que entendesse por que a minha alma lutava.
A dor da minha arte ser julgada pelas emoções que sentia.
A dor da minha música ser tão mal querida pelos que decidiram da sua sorte.
A dor que outros (e foram tantos) me ofereceram para se juntar à minha.
A dor de não poder fazer mais nada contra os que preferiram que eu continuasse sob a dor.
Tu sabias melhor que ninguém.
Tu sabias que eu tinha saltado para cima de um ramo quebrado e lá permaneci à espera. Esperei por todos os que me abandonaram. Tu inclusive.
E tu sabias de que eu era feita. De dor.
Não existiu amor nos que me fizeram sofrer.
Em mim existiu dor, vingança e raiva e mais dor, por causa da falta que o amor me fez.
Em mim existiu dor, vingança e raiva e mais dor, por causa da falta que o amor me fez.
Não há Deus. Não há orações que valham a pena. E se as dizes ao teu Deus, no caso de existir, ele não consegue mais do que aguardar impassível pelo meu fim, porque fui um esboço mal feito, um plano que lhe correu mal.
Não vejo mais nada em ninguém. Nem camadas, nem superfície. Nada é nítido nem fiável.
Tu escolheste um caminho, deixaste-me suspensa no frágil ramo que se partiu de vez, depois de eu ter dado o que tinha. E eu só tinha aquilo para dar que era demasiado precioso e mais frágil do que o cristal. A minha música.
Sim, as feridas foram muito profundas. Estão cá, em camadas e na superfície também. Nunca irão fechar. Não há cura. Não há recuperação.
A máquina mantém-nos ligados a esta coisa que se chama vida porque o temor não é capaz de acabar com tudo, nem com a vida, nem com a máquina que a faz funcionar. Há um medo de morte do que não existe mais frágil que um fino cristal.
A voz que começa a deixar de sentir e vai ficando menos voz até se sumir antes do tempo deixa-me, também, mais frágil que um cristal.
Tive muito para dar, mas não neste tempo, nem aqui, nem nunca. Nasci assim, para divertimento das musas - como lhes chamas - e de uns quantos seres terrenos que não percebem que lidam com uma imperfeição maior, a que pertencem também, que faz os cristais, apesar do brilho, frágeis e irrecuperáveis. Um cristal partido não tem valor nenhum. Deita-se fora e substitui-se por outra matéria resistente que faça de quem a manuseia uma pessoa de sucesso.
A solidão também escolhe a dedo quem lhe pertence e quem está dispensado.
Eu pertenci-lhe mesmo quando lhe fugi. Agora tem-me a tempo inteiro e escava um subterrâneo diferente do teu, onde não há água nem salvação. Somente mais solidão e breu. Para sempre.
Pouco sou para sentir qualquer esperança com as tuas palavras.
A minha cabeça acompanha a voz.
O fio de voz fala com o pouco que a cabeça já aguenta. Ambas estão quase extintas.
Mas obrigada pela tentativa.
Né
(resposta ao mail do TTS)
Né, estou triste por ti.
ResponderEliminarPassei por muitas dessas dores, e ainda me espanto como cá continuo.
Sei que há palavras inúteis nestas situações. Como estas minhas.
Mas a sensação de que somos únicos no sofrimento, e de que o nosso sofrimento é único, é ao mesmo tempo verdadeira e falsa - e é esta última parte que é preciso reter.
Não há outro caminho senão a luta. Contra tudo, todos e nós próprios. É uma luta raivosa, feita de teimosia, "porque sim", porque "a puta da vida" não me há de vencer. Tem que se fazer apelo ao irracional, ao instinto de sobrevivência animal que existe em todos nós e é fortíssimo.
Prafraseando a Patti Smith- pensei muitas vezes em suicidar-me , mas isso significaria perder o último álbum da Né Ladeiras (Roling Stones no original...), e então desisto sempre!
Vá lá, um sorriso :-)
ainda há muito caminho para andar...
ResponderEliminarum beijo, Né, um beijo.
Carlos,
ResponderEliminarQuando se tem pavor daquilo que se desconhece e se Deus não faz um esforço para mostrar um bocadinho do que pode existir, a ideia do apagão total é medonha e foge-se disso. Eu fujo disso porque não entendo a finalidade de termos sido feitos. Que razões decidiram esta coisa tão punitiva chamada vida?
Paulo,
O cansaço está farto de andar. Não há uma clareira onde possa ficar?
Há, e está onde menos se espera.
Eliminarbeijo,
Paulo