O
que eu disse à terapeuta que ia fazer no sábado não fiz. Faltou-me
coragem e vontade para isso. Mesmo sendo uma visita a um local
que me agradaria dei uma desculpa de última hora para não ir.
Febre-dos-fenos. Sei que perdi uma manhã de esperança onde ainda
consigo sentir alguma ligação serena com o que existe. Mas havia
demasiado sol, demasiada alegria no ar para eu poder suportar tanta
leveza.
Vieram-me
à lembrança, enquanto me levantava e pegava no telemóvel para
enviar a mensagem do cancelamento, outras manhãs de sol em que o
tempo estava do meu lado, a minha força era imbatível e eu pensava
que faltava muito para chegar ao declínio físico e mental. Os meus
filhos pequeninos asseguravam essa certeza e em algumas ocasiões
desfrutávamos dos dias com futuro, o coração cheio de optimismo,
planos desenhados a três mãos e eu era a pessoa mais feliz por os
ver crescer comigo, asas pequeninas, inocência e vontade de
aprender, fé na vida e no que tínhamos.
Tudo
isso mudou. A passagem para o lado da tristeza definitiva foi rápida
demais.
A
minha memória fere-me de morte. Mostrou-me o irrecuperável durante
a manhã e tarde de sábado e não fui capaz de fazer mais nada a não
ser mudar a cor do meu cabelo porque o vermelho pertenceu a uma fase
vitoriosa que acabou.
A
utopia de achar que podia cumprir com os meus sonhos e devoções
fechou-me neste quarto escuro. Não quero mais vermelho nem ficar
parecida com pessoas que reflectem pelo cabelo o seu sucesso.
Quero o meu cabelo verdadeiro, que se tornou branco e cinza, mas vai
levar tempo, disseram. Para já este foi o resultado possível para
assumir o meu desentusiasmo por tudo.
À
noite vi dois filme: Luther e San Francesco. Gosto de biografias quer
sejam escritas ou em película. Estou na fase de procurar algo que
ligue o interruptor da minha descrença e pensei que estes exemplos
de rotura das normas, sofridos e em risco, me pudessem inspirar. Tal
não aconteceu. Chorei que me fartei. Olhei com horror a podridão
bem preservada e mantida em nome de um Deus por todos os séculos
que nos separam e senti-me pior.
Na
noite anterior tinha visto uma coisa completamente diferente Como
Agua para Chocolate
e maldisse
o raio da triste ideia que submeteu o livro da comida, do amor, do
sobrenatural, da magia sul americana, numa porcaria de excertos mal
escolhidos com uma banda sonora execrável que matou qualquer
intenção da parte da
autora na adaptação do guião para o filme.
Faltou-lhe tudo e fiquei amarga.
O
meu domingo foi preenchido pelas memórias de dias como este em que
os meus filhos me ofereciam florinhas, cartões feitos na escola e
estavam perto de mim. Sinto tanto a falta dos movimentos das suas
brincadeiras, do som que geravam as suas risadas.
Depois
lembrei-me de todas as vezes que ficava fechada como estou agora e
não conseguia acompanhá-los porque esta doença insistia em me
afastar de tudo o que era vivo.
A minha culpa é imensa. Cada ano da
minha vida é inferior à quantidade de culpa que eu sinto por ter
falhado tanto.
Os
meus sonhos e devoções estoiravam sob a pressão de ter de ser o
que não conseguia ser e, se ter sido mãe foi a coisa mais importante
da minha vida, sei que não consegui cumprir com exactidão o imenso
desejo de ter uma família inteira. Não falo da que me procriou e
que por laços de sangue me foi atribuída. Falo da que eu quis
constituir e que nunca sobreviveu apesar de todas as forças que fui
buscar para que fosse possível tê-la.
Cada
segundo que não foi vivido nas pequenas coisas da vida dos meus
filhos são séculos de dor que todos os dias me trespassa o
coração. O peso desta culpa, que tantas vezes ouvi ser-me imputada,
sufoca-me.
Atrevi-me
a ir a uma esplanada onde não havia quase ninguém. Vi os cães
brincar com uma bola azul e correr atrás das poucas pessoas que
passavam. Levei tempo a pensar se havia de tomar um café ou não, o
único do dia, e decidi que não. Olhei para as árvores e para as
flores silvestres com carinho. De novo lembranças de anos passados
em outros jardins. O desconforto começou ao mesmo tempo que foram
chegando famílias inteiras, gerações de mães e filhos felizes.
Não aguentei a provação e o meu peito deitou sangue, lágrimas,
dor, dor, dor, insuportável dor que exigiu que eu saísse dali e me
refugiasse em casa.
Assim fiz.
Assim fiz.
Acredite que não está sózinha nessa sua solidão!
ResponderEliminarA vida é mesmo assim! Imprevisível em tudo! Até no amor daqueles que nos tocam o coração!!!
Há que levantar "ferro" e encontrar motivações para o desfrute de tanta coisa bela que a vida nos têm para dar!
Nada acaba enquanto nós assim quisermos!!!
Salve, Né!
ResponderEliminarAbraço.
Né: também eu.
ResponderEliminarSo what?
I like that crazy firehead!