A estória das galinhas da minha vida.
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Tudo começou com Clarinha e o seu olhar diferente do de todas as franguinhas que estavam na feira.
Eu queria passar longe das gaiolas, que usualmente estão lotadas e sem condições nenhumas para os animais ficarem as horas necessárias para o negócio, mas Clarinha sobressaiu por estar a leste daquele burburinho de penas o que me "forçou" a parar...
A pouco e pouco foi empurrando todas as outras até chegar perto da grade e do meu dedo. Não fez nada. Fixou-me muito séria, primeiro de frente depois de perfil ligeiramente inclinado.
Os seus olhos brilhantes apagaram tudo o que havia à minha volta e levei-a para casa naquela manhã de 8 de Março.
Clarinha da estrita observância
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Toininha estava numa loja de artigos agrícolas e os seus vocalises chamaram-me de longe.
Andava na extremidade da enorme superfície à procurava de uma cerca de madeira para a casa de Clarinha quando decidi ir ver quem era a dotada de tanta variedade vocal. Mais uma vez o gaiolão estava cheio de galinhas, galos e frangos e para ter a certeza de qual delas saía tal cantoria experimentei uns cacarejos que memorizara minutos antes. A resposta foi imediata. Veio de asas semi-abertas, abrindo caminho num passo bamboleante, numa cantilena que se juntou à minha. Reparei que a parte superior do biquinho estava partida. Assim que o funcionário entrou no recinto apressei-me a declarar que a levava sem dar mais espaço à estranheza da sua expressão. Uma mulher a cacarejar para uma galinha não seria normal, mas para mim foi o encontro com a penuda mais especial da minha vida.
Tornou-se amiga inseparável de Clarinha.
Dormiam empoleiradas muito juntinhas, esgravatavam em duo, passeavam por entre as couves asa com asa, atiravam-se aos vegetais picados com farelo e milho na mesma gamela embora cada uma tivesse a sua.
Gostou sempre de ouvir música. Cheguei a tocar para ela e nunca deixou de fazer os seus coros para mim.
Toininha cantadeira
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Entretanto tinham chegado ao galinheiro a
Lua, a
Estrela e a
Gema. Esta era a mais tímida de todas. Isolava-se e enervava-se com o jeito desconfiado e mandão das duas primeiras. A Lua era a que mais refilava na hora da comida e esvoaçava sobre as outras. Um dia esvoaçou demais (foi a conclusão que tirei) e foi parar junto do Sírius. Percebemos que não a tendo comido terá só querido brincar com ela, matando-a. Foi um desgosto imenso. Chorei sentidamente com a visão da Lua deitada por baixo da nespereira de pescoço partido.
Passado uns tempos a Estrela deixou de comer. Aninhava-se na cama de palha e ficava absorta. Levei-a ao veterinário, não queria mais mortes no galinheiro. Receitou-lhe um remédio para juntar à água. Desconfiava que seria um parasita e o tratamento consistia em limpar-lhe o aparelho digestivo a fim de o expulsar. Ficou em casa, na transportadora. Dias e dias de vigia. Melhoras começou a tê-las, já comia com mais gosto. Preparava-lhe uma mix especial de vegetais da horta com milho e farelo. Cada vez melhor. Senti-a saturada da transportadora e levei-a para o galinheiro. Vigiei-a e vi-a passear, debicar, beber água... Fiquei feliz. Horas depois encontrei-a morta, perto do poleiro, espojada no chão. Foi um choque. Chorei que me fartei. Liguei ao veterinário, queria uma explicação para o que acontecera, mas não houve nenhuma.
Lua e Estrela
A Gema adorava ir para a horta e eu não me importava nada que bicasse as courgettes, as alfaces, as couves, que passasse por cima dos tomateiros, ela era feliz na sua timidez e eu não interferia. Ela era do campo. Por vezes chamava-a para lhe dar milho, mas só o ia buscar quando eu me afastava. Ao fim do dia recolhia-as para o galinheiro, mas comecei a achar estranho encontrá-la lá dentro sozinha. Teria ela encontrado uma passagem que a levasse até lá? As redes não tinham buracos... a cerca de madeira era alta e sem espaços por onde ela pudesse passar.
Dias depois viram-na voar como um pássaro da horta para o galinheiro, passando por cima da cerca, das redes e do Sírius. Gema já era grandinha, comia bem, punha ovos lindos. Nesse dia do vôo fatídico viram também o salto de parkour que o Sírius deu, atingindo-a em cheio. Não lhe mordeu, mas matou-a de susto. Chorei desalmadamente pela tão pouca sorte da Gema. Chorei pelo estado de confusão do Sírius.
Gema dos campos
Tempos depois ofereceram-me a Nefretite. Não nos escolhemos. A mão de quem a tirou do poleiro da quinta onde vivia decidiu-se por ela, por ser pedrês, adulta e bonita. Ela não gostou e eu também não de a ver debater-se contra aquela decisão. A vida tem coisas assim... por lá andava um galaró que atacava todas as galinhas. Uma delas andava toda arranhada e eu perguntei o que poderiam fazer para o acalmar. Nada. Amanhã iria para a panela. Fiquei gelada.
Na viagem de regresso jurei a Nefretite que NUNCA mais seria incomodada por galarós grandes ou pequenos, que no galinheiro reinava o sossego e eu só gostaria que me desse os seus ovos quando os pudesse pôr.
Não me esqueço do que senti. Não me esqueço do que sinto.
Amo cada uma delas por tudo o que são e pelo que acrescentaram à minha vida.
Nefretite casta diva