Competências Sociais ou a
importância de nos relacionarmos com os outros.
Este tema pareceu-me muito complexo e
difícil.
Com o desgaste gerado por uma
comunicação deficitária desde a minha infância e adolescência
(nunca se conversava na família. Os tons irritado do meu pai e
recriminatório da minha mãe, empurravam-nos directamente para a
discussão) e pelas desilusões pessoais posteriores, coloca-se a
dúvida sobre esta incompetência comunicativa se ter tornado num
traço do meu carácter e se, com o treino que se pretende com estas
sessões, é possível atingir o que sempre foi tão
inacessível: sentir-me melhor na coexistência com os outros.
Segundo o psiquiatra, a gestão de
conflitos proporciona satisfação no relacionamento social sem a
interferência de mágoas, ansiedade e a costumada frustração de
não compreendermos nem sermos compreendidos.
Ora isso já eu imaginava. Soa bem.
Como reagimos perante um conflito?
a) – afastamo-nos da discussão
b) – respondemos na mesma moeda
(entrando na discussão com agressividade)
c) – ignoramos a discussão
Eu fui muito b) e passei para a)
Mas não me sinto bem em nenhuma das formas
Ignorar também não consigo. Fica tudo registado, o que me
provoca muita ansiedade e ressentimento.
Perguntei se isto, a falta de
jeito para falarmos com os outros num momento crítico, é uma desvantagem química ou algo mais.
O psiquiatra explicou:
O stress não altera os genes, mas contribui para a vulnerabilidade... pode desorganizar a parte química do cérebro.
E depois acrescentou:
Com o tempo vão-se perdendo capacidades na organização do pensamento, à conta dos surtos e crises.
Então é isto? Somos um mundo químico? A inteligência, a filosofia, a poesia, a arte, Epicuro, Confúcio, Einstein, Sartre, Sophia, Eça, Baush, Mozart, exprimiram-se por um consentimento químico?
Como explicamos o medo e as emoções? Como podemos colocar dúvidas e estimular a arte de pensar?
Não estou nada sossegada quanto ao assunto, e menos ainda por imaginar que o meu cérebro químico, de tão danificado estar, pode não "querer" evoluir para coexistir com o resto.
E sendo assim, "mesmo a calhar", esta semana vivi um episódio no âmbito deste assunto:
Cortei com uma pessoa (a única que me mantinha ligada à área profissional) que me decepcionou muitíssimo. Alguém, de quem esperei, ao longo deste mês de internamento, uma maior compreensão sobre a minha miséria interior e não provocasse uma situação de maior vulnerabilidade.
Outro "marco" no meu caminho de perdas, outra ferida que precisa de sarar.
Agora sei que o meu retorno à música, já muito remoto, não se fará.
Esgotaram-se as hipóteses de confiança naquela parte da "máquina" que me organizava a vida para eu poder ser o que era. E isto é tudo tão estúpido. Porque se magoa uma pessoa que está doente?
Sei que sou demasiado sensível. Sei que não possuo um escudo emocional. Quando sou ofendida fico com a minha vida estragada. Sinto-me numa prisão de medo. Vivo com uma tonelada de culpa. Sinto dor física pelos que vivem maltratados. As memórias perturbam-me. O pânico e não aceitação da morte torturam cada dia que vivo.
Onde está a parte química do meu "disco rígido" para deletar?
Houve uma saída a Lisboa com o grupo de internadas, terapeutas e médicos. Não fui por falta de entusiasmo. Lisboa ainda permanece confusa para as minhas possibilidades de orientação e a ideia de visitar ao Pavilhão do Conhecimento não me entusiasmou. Iria chocar com as visitas que eu programava com os meus filhos e todas as memórias de quem teve alguma coisa e agora não tem nada. Preferi ficar com os meus livros e rever o trabalho que estou a desenvolver com a M., V., P. e R. sobre a história da cidade.
Já andámos pelo terreno para realizar o levantamento das coordenadas, que vão sinalizar com precisão o que vai ficar no mapa, bem como o registo fotográfico dos locais. Passámos a contar com o apoio da câmara municipal para a sua elaboração, e o projecto foi bem acolhido quando se transmitiu a vontade de se criar uma parceria.
Quem vier de futuro ficará a saber onde se situam as 14 portas da cidade, os bairros mouro e judeu, assim como os seus templos de culto.
A equipa de enfermagem e de terapeutas tem sido incansável e muito organizada. No meio de tantas actividades diárias há sempre o cuidado de nos proporcionar o tempo que necessitamos para trabalhar no projecto.
O jornal trimestral editado pelo serviço de psiquiatria foi-me dado para paginar e modificar gráficamente. Assim, enquanto os ensaios da tuna se vão realizando ficarei resguardada, mas a produzir uma coisa que me dá prazer.
Vontade de cantar - 0
Ontem tive um momento feliz.
Voltei à ASPA com uma voluntária que me pediu para a ajudar.
O caso é o de um gatinho bebé, abandonado no Cartaxo e que a APAAC (Associação de Proteção dos Animais Abandonados do Cartaxo) vergonhosamente não quis recolher, que precisa de ser amamentado. Todos os voluntários se têm revezado para o fazer.
Eu sei que quem me ajudou foi a voluntária. Intuiu que aos poucos e no meu rítmo posso colaborar. E estou-lhe muito grata por isso.
Aquele corpinho minúsculo embrulhado no meu colo abraçava o biberão com as duas patinhas a mamar sofregamente. Depois, já saciado da fome, começou a querer brincar. Deu uns passinhos desajeitados, esticou as patinhas de encontro os meus dedos que corriam à volta dele para lhe fazer cócegas e mimos. Limpei-o com um toalhete como as mães gatas fazem com a língua. Senti-lhe o ronronron junto ao meu peito.
Meu pequenino lindo, quero-te muito. E estás no lugar certo.
A boxe dele tem uma bela caminha amarela, brinquedos, a caixinha de areia que ele utiliza muito afoito, a tacinha de água, e ainda sobra muito espaço para explorar a sua curiosidade de bebé.
Eu sei que vai ser muito feliz.
Ter sido rejeitado não lhe vai diminuir a confiança para viver com um humano. Ele saberá gerir qualquer conflito futuro...
Eu e Davi, numa foto recente.
Este gatinho tão maltratado que foi, também é um exemplo de sucesso na gestão de conflitos.
O que ainda há para aprender com eles é tanto...